A história não se repete, mas rima



A frase exordial é de autoria do escritor americano Mark Twain. Os fatos nunca serão os mesmos, mas a similaridade entre o passado e o presente é inacreditavelmente evidente. Os ciclos de mercado demonstraram no dia 09 de março deste ano, mais uma vez, a propriedade da narrativa principal do mercado financeiro global. A queda foi motivada pela “guerra comercial” pelo preço do petróleo, promovida pela Arábia Saudita e a Rússia. Ademais, o surto de coronavírus na Europa também afetou as decisões dos grandes jogadores do mercado global. Segundo o Federal Reserve, o banco central americano, a saúde da economia americana estaria excelente e se revigoraria a cada balanço divulgado. O mesmo era dito da economia europeia pelo European Central Bank. A verdade é que nem tudo é o que parece ser, e a história demonstrou isso diversas vezes ao longo do tempo. Os fatos não mentem.

Cenário: Flint, Michingan, EUA, no ano de 1929. O Union Industrial Bank, grande banco da região, ficou insolvente depois de usar o patrimônio dos correntistas, sigilosamente, para se expor em ativos da Bolsa de Valores de Nova York (NYSE). Com o crash de 29, o banco ficou sem liquidez pra devolver aos clientes e decretou falência.

Rima: taxa de juros interbancária disparando a 10% em menos de uma semana, em setembro de 2019. Os bancos não permitiam empréstimos interbancários de curto prazo (overnight trading), ação comum entre bancos no mundo todo, sem motivo aparente. A narrativa racional é a de que alguma instituição estava insolvente, logo não poderia emprestar capital, ou foi posta pra escanteio por outros bancos por tal insolvência. Pra resolver a situação, o Federal Reserve injetou cerca de 500 bilhões de dólares pra estimular a atividade bancária e sanar os problemas. O que gerou mais um problema: o excesso de capital na economia. Fragilidade na economia à vista!

Cenário: Cagliari, Sardinia, Itália, no ano de 1998. A empresa de telecomunicações Tiscali registrou na Borsa Italiana sua Initial Public Offering (IPO), movimento de abertura de capital. Em pouco tempo, apesar de não registrar lucro, as ações da empresa chegaram a custar a bagatela de incríveis 1147 euros. Com o estouro da “bolha da internet” e as maciças ordens de venda dos ativos de empresa de tecnologia, a Tiscali acabou desabando. Hoje, suas ações valem míseros 0,02 centavos.

Rima: A Nasdaq registra o crescimento exponencial de mais de 400% das ações da Tesla, companhia de fabricação de carros eletrônicos chefiada por Elon Musk. Apesar da performance formidável, a empresa de Musk não registra lucro desde que abriu capital na Bolsa americana. Ou seja: mesmo sem reembolsar o investidor pela aplicação, o ativo da empresa continua a valorizar, o que significa que muitas pessoas ainda compram o ativo. Euforia infundada sinalizada. Fragilidade na economia à vista.

Cenário: cidade de Nova York, EUA, no ano de 2008. Agências de classificação de risco como a Standard & Poor’s maquiavam o risco de títulos de hipotecas subprime denominados CDO (collateralized debt obligation), iludindo o investidor ao declarar que tais títulos eram hiper seguros e que não havia alto risco na negociação. Mal sabiam os compradores que esses títulos não valiam absolutamente nada, e que isso transformaria uma mania no mercado americano em uma recessão global.

Rima: os bonds lastreados em dívidas privadas (títulos de dívida), denominados de “collateralized loan obligations” (CLO), também denunciados por analistas e auditores como “lixo” (junk bonds), pelo fato de não compatibilizarem com a classificação dada por agências de classificação. Nesse caso, pode existir uma possível - e nova - “maquiagem”. A proximidade e semelhança entre os nomes dos títulos também assusta. Fragilidade à vista.

A História não se repete, mas rima. E, ao que parece, vivemos num roteiro de filme de horror.

*Texto adaptado, originalmente publicado no dia 17 de março de 2020, no Instagram do autor.

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